domingo, 13 de março de 2011

CRÍTICA Antônio Hohlfeldt no Jornal do Comércio





por Antônio Hohlfeldt*


Embora as inúmeras reprises que se sucedem anos a fio, em relação a espetáculos que têm alcançado sucesso de público, o Porto Verão Alegre desta temporada tem propiciado algumas estreias e algumas reprises de trabalhos que, estreados na temporada passada, nem sempre puderam ser assistidos por todos os interessados, alguns deles inclusive premiados, como 9 Mentiras Sobre a Verdade, que propiciou o Prêmio Açorianos de Teatro Adulto de Melhor Atriz a Vanise Carneiro.


De fato, o espetáculo solo de Vanise Carneiro, que também é coprodutora do trabalho (o que evidencia sua confiança nas potencialidades do mesmo), é um bom momento de se observar a correta construção de uma personagem em cena, a partir de um texto muito interessante de Diones Camargo, resultando numa encenação concebida pelo próprio autor, a atriz e o diretor Gilson Vargas. Uma mulher enfrenta problemas em casa e para ultrapassá-los, ou paralelamente a eles, desenvolve sua atividade de atriz, o que lhe permite experienciar diferentes personalidades.


A direção de Gilson Vargas é absolutamente segura e encontra boa resposta na interpretação da atriz. Assim, sucedem-se os momentos do espetáculo, sendo que de cada situação a personagem retira uma lição, que o título da obra antecipa como “mentira” sobre uma única verdade, a dificuldade da vida e o modo pelo qual estamos fadados a enfrentar suas adversidades.


No espaço da Sala Álvaro Moreyra, onde o espetáculo foi agora apresentado, a proximidade da atriz com o público certamente torna o seu trabalho ainda mais desafiador, sobretudo quando encontra uma plateia aparentemente refratária ao estabelecimento de uma interatividade com o espaço cênico. Assim mesmo, Vanise Carneiro desenvolve com convicção sua personagem, contando com uma boa iluminação de Fernando Ochôa, que marca as diferentes transições de clima e de situações. O espetáculo se complementa com uma boa utilização de imagens, sejam fotografias, sejam pequenos vídeos, que ilustram as diferentes situações vividas por Lara, a personagem.


Observa-se um texto bem construído, de quem está acostumado com a carpintaria teatral, do mesmo modo que uma composição de personagem segura e madura. Assim, o espetáculo decorre sempre bem marcado e pontuado, evidenciando as transições e os diferentes momentos, inclusive com as sutilezas criadas pelas tensões entre o que se diz e o que se faz ou o que se diz e o que se sente ou se é, verdadeiramente. Conheci Vanise Carneiro ainda quando ela era aluna do Departamento de Arte Dramática. Ela não costuma se preocupar com a quantidade de intervenções, mas escolhe com cuidado os textos que incorpora. Daí, inclusive, o fato de ela ser produtora deste trabalho, tendo acertado em cheio, pois lhe valeu, merecidamente, a premiação alcançada.


Sem grandes elucubrações, devolvendo-nos um teatro psicológico em que a emoção é o centro da ação dramática, 9 Mentiras sobre a verdade é um trabalho que prende a atenção e encanta pela qualidade geral e pelas particularidades que evidencia. Trata-se de um trabalho bem cuidado, este que o Teatro Líquido nos propicia, devendo cumprir novas temporadas ao longo deste novo ano, espero, para que possa ser conhecido por mais numerosa plateia. Contemporâneo e oportuno, 9 Mentiras sobre a Verdade é uma boa reflexão sobre a experiência da fragmentação da vida e das emoções com que a pós-modernidade nos desafia.


*Antônio Hohlfeldt - crítica publicada em 11 de Fevereiro de 2011, no Jornal do Comércio.




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