Poa Em Cena – 9 Mentiras Sobre a Verdade
por Valmir Santos*
por Valmir Santos*
Para tantos universos femininos que o teatro vasculha desde sempre, buscando traduzir, por exemplo, as páginas de uma Clarice Lispector ou de uma Hilda Hilst, fontes altaneiras, o monólogo 9 mentiras sobre a verdade arranja-se bem nas inversões de expectativas. É teatro apropriando-se sutilmente da linguagem do cinema não para narrar em projeções, mas configurar imagens que as palavras dizem ou que os poucos adereços e objetos vintage deixam entrever no palco.
Tempo, espaço e memória surgem dilatados na cabeça de Lara por meio de suas “anotações mentais”, como gosta de pontuar. A personagem interpretada por Vanise Carneiro se quer atriz com relativo prestígio nos estúdios. Às voltas com seus botões, põe-se a filosofar sobre feridas menos evidentes. Funde o relato que se presume pessoal com a ficção extraída dos filmes dos quais participou ou gostaria de ter protagonizado.
É nessa ambiguidade de largada que a dramaturgia de Diones Camargo e a direção de Gilson Vargas – também ele cineasta – vão jogar todas as fichas, tendo Carneiro como mediadora. Está nas mãos da atriz que faz a atriz (e seus desdobramentos) conquistar a cumplicidade do público. E ela o faz sem ser pegajosa. Leva o espectador para dentro das histórias, imerso numa hipotética reunião de grupo formado por mentirosos compulsivos. Fabular pode ser a cura.
A enunciação expositiva é dominante: uma conversa mais direta, no cume do olho, sob pouca variação de luz. São intercaladas ainda passagens que resultam respiros ao devaneio: lembranças e imaginações que envolvem o pai, um amor juvenil, um diretor, enfim, homens por meio dos quais ela projeta a si mesma.
Aos poucos, desmancha-se o roteiro da comédia em torno do umbigo. A pose de estrela hollywoodiana, emocionalmente abalada com os queixumes do trabalho, da casa e da vida, vai cedendo para uma suave sensibilização. Vanise Carneiro conduz sua Lara com lavas da objetividade na voz e nas marcações lúdicas. Domina bem o sentido de presença com ares performativos – aquilo que é e aquilo que parece ser, convidando o público para a mesma gangorra.
Quando menos se espera, a plateia termina abduzida pela sombra do disco voador, deixando-se levar pela prosa dessa moça diante dos “erros de continuidade” que a vida lhe apronta. É o balanço da verdade da ilusão com a mentira das desilusões.
*Valmir Santos é jornalista e crítico teatral.
Texto originalmente publicado no blog Teatrojornal. Para ler o texto na página original, clique aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário